Os elevados preços dos produtos (este ano subiram perto de 26%, antevendo-se que no próximo ano a subida seja de pelo menos 20%) estão a afugentar clientes no Mercado do 30, em Luanda, enquanto os vendedores, que vêem os seus rendimentos reduzidos a metade, se queixam da fraca procura e pedem intervenção dessa entidade fantasma que dá pelo nome de “autoridades”.
Vendedores daquele mercado abastecedor, sobretudo de produtos agrícolas, no município de Viana, em Luanda, queixam-se que diminuiu para metade a procura dos bens que comercializam e proporcionalmente os seus lucros caíram.
Uma diversidade de produtos, desde bens da cesta básica, verduras, frutas, peixe, carne abatida e outros, são comercializados no Mercado do 30, a 30 quilómetros de Luanda, mas os actuais preços praticados travam a adesão de compradores.
Para Lintánia Bula, vendedora de frutas, a Covid-19 tem implicações directas nos actuais preços praticados no mercado. A comerciante descreveu que os seus lucros caíram de até 70.000 kwanzas/dia (105 euros) para 5.000 kwanzas (7,5 euros) actualmente.
Há cinco anos no Mercado do 30, Lintánia, de 25 anos, diz-se “agastada” com o actual rendimento, que se restringe apenas em comprar o essencial para os filhos em casa, porque actualmente “as coisas estão difíceis, comércio já não é rentável e nem se faz poupança”.
“Principalmente para nós que vendemos fruta, porque quanto ela mais demora, mais apodrece e mais perda de dinheiro se tem, por isso não está fácil”, lamentou.
Constantina Juvala tem na venda de repolhos o seu “ganha-pão”, um exercício que dura há três anos mas, nos dois últimos, diz, tem enfrentado diversas dificuldades para se sustentar e aos filhos, pelo mesmo motivo: os elevados preços dos produtos e a consequente baixa procura.
Um repolho naquele mercado está a ser comercializado entre 400 kwanzas (0,6 euros) e 500 kwanzas (0,7 euros), mas diz contar aos dedos o número de clientes que compram diariamente e, quando aparecem, “ainda reclamam para baixar o preço”.
“E assim é complicado, e por dia podemos levar 2.000 kwanzas [3 euros] de lucro”, referiu.
O preço elevado de um quilograma de arroz, de fuba e de feijão foi apontado com preocupação por Faustina Alberto Quintas, que no Mercado do 30 vende utensílios plásticos, cujos preços também aumentaram consideravelmente.
A vendedora confirma a reduzida procura dos produtos: “As coisas estão muito caras e muitos clientes reduziram as despesas para conseguirem apenas o essencial”.
“E a vida está mesmo mal, por dia estamos a conseguir pouco mesmo, e não estamos a levar nada para casa”, desabafou a vendedora de 32 anos.
Entre os clientes que aderem ao Mercado do 30 em busca de produtos para o consumo ou para a revenda, Júlia Diogo, vendedora de gelados em casa, que afirma que apenas alguns produtos do campo ainda têm preços “acessíveis”.
Acompanhada por um jovem, que transportava num carrinho de mão os produtos que adquiriu, entre sacos de múcua, tomates e outros, Júlia Diogo contou que gastou 36.000 kwanzas (54 euros), confirmando igualmente os “preços puxados” do arroz, óleo, frango e peixe
“Ao revender compensa sim, estou sempre aqui no [mercado do] 30, mas os preços dispararam muito nesse período da Covid-19. Por exemplo, nos armazéns o saco de arroz teria de chegar até pelo menos 5.000 kwanzas [7,5 euros] porque as pessoas não ganham quase nada”, realçou.
O Governo angolano desenvolve várias acções para reduzir o preço dos bens da cesta básica, nomeadamente a isenção de impostos em alguns produtos e a redução do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) de 14% para 7%.
Lintánia Bula referiu ainda que as medidas do Governo “não têm qualquer impacto” nos preços praticados actualmente no Mercado do 30, pedindo às autoridades para “alterarem o rumo da situação com medidas efectivas que melhorem a condição de vida”.
“Por isso pedimos ajuda ao Governo para reduzir o preço das coisas e assim vamos conseguir sobreviver e poder saber cuidar dos nossos filhos”, rematou a vendedora de frutas.
As razões do Presidente João Lourenço
«Ao aproximar-se o fim do ano de 2020, tomei a iniciativa de realizar uma cerimónia de homenagem aos produtores de bens essenciais de amplo consumo que integram a cesta básica e não só, produtores que durante o ano enfrentaram a profunda crise económica que se regista no nosso país desde o ano de 2014 e que foi agravada, este ano, pela pandemia da Covid-19 e que ainda perdura em todo o mundo, não obstante existir uma luz ao fundo do túnel para o seu controlo durante o próximo ano, por meio da vacinação de prevenção contra esta terrível doença», afirmou, na altura João Lourenço.
Na cerimónia de homenagem aos produtores nacionais de bens essenciais, e – na altura – ao fim de 45 anos de governos do MPLA, o Presidente disse que “o Executivo angolano concluiu da necessidade de apostar seriamente na diversificação da economia nacional, através do aumento da produção interna de bens e de serviços, como único caminho para a redução das importações, o aumento das exportações e consequente aumento da arrecadação de divisas”.
Finalmente os especialistas do MPLA chegaram à conclusão de que era necessário “apostar seriamente na diversificação da economia nacional”. Mais vale tarde do que nunca. É, aliás, uma descoberta digna de um prémio Nobel. É verdade que essa diversificação já era praticada pelos portugueses no tempo colonial, mas isso é algo que o complexo de inferioridade do MPLA nunca lhe permitirá reconhecer. Aliás, se os “tugas” plantavam as couves com raiz para baixo… o MPLA ordenou que fossem plantadas com a raiz para… cima.
João Lourenço explicou que o “Executivo idealizou e concebeu o programa a que entendeu chamar de Prodesi, mas a materialização desta mudança de paradigma só seria possível com actores não estatais, no caso, o empresariado privado nacional e estrangeiro”, acrescentando que, “hoje, apesar de persistirem ainda constrangimentos de vária ordem, para além dos decorrentes da Covid-19, é justo reconhecermos publicamente que o empresariado privado respondeu positivamente, tem vindo a realizar investimentos em diferentes ramos da nossa economia, com resultados satisfatórios e visíveis aos olhos de todos”.
Tão visíveis sobretudo em termos estatísticos que, convenhamos, não são prova de mais fácil acesso a esses bens (equidade social), como comprovam os 20 milhões de pobres que abastecem a sua cesta básica nos caixões de lixo. Ou seja, tendo João Lourenço quatro refeições por dia e a Maria Zungueira nenhuma, a média estatística apresentada pelos génios do Governo revela-nos que cada um deles tem duas refeições por dia…
Folha 8 com Lusa